A minha casa tinha três pisos e era piramidal e eu passava muito tempo nela, uma vez que as minhas obrigações na cidade de Oxford eram praticamente nulas ou inexistentes. Efectivamente, Oxford é, sem dúvida, uma das cidades do mundo onde menos se trabalha, e nela é muito mais decisivo o facto de estar do que o fazer e mesmo o de actuar. Estar lá requer tanta concentração e tanta paciência, e exige tanto esforço lutar contra a natural letargia do espírito, que seria uma exigência despropositada querer ainda que os seus habitantes se mostrassem activos, sobretudo em público, apesar de alguns colegas costumarem efectuar as suas deslocações sempre a correr para darem a impressão de perpétuo afogo e ocupação extrema nos intervalos entre aulas, as quais, contudo, haviam decorrido ou haveriam de decorrer no mais absoluto sossego e despreocupação, como parte que são do estar e do fazer e nem sequer do actuar.
1ª Página do livro, Todas as Almas, de Javier Marías, Publicações Dom Quixote, 1ª edição, Fevereiro de 2002.
Nota: O escritor Javier Marías entrou, no passado dia 27 de Abril para a Real Academia Espanhola da Língua, no discurso de boas-vindas, feito pelo o académico Francisco Rico, o orador disse entre outras coisas, que o “prepotente olhar do narrador” que há nos romances de Javier Marías encontra-se logo nas primeiras linhas de “Todas as Almas”, que está, segundo Francisco Rico, “entre a dúzia de começos mais memoráveis de toda a novelística espanhola”. Fica registado, mas esta nota não é importante para ler o livro.