-Eh! – disse uma voz. – Espera um momento!
O matagal, num dos bordos da clareira, agitou-se e uma saraivada de gotas de água caiu com estridor.
-Espera um momento – repetia a voz. – Estou aqui preso.
O garoto de cabelo cor-de-mel abaixou-se e repuxou as peúgas com um gesto automático que fez com que a selva por um momento se parecesse com os condados ingleses.
A voz ouvia-se de novo.
-Nem me posso mexer com todas estas trepadeiras.
O dono da voz emergiu, esbracejando com o restolho alto, de modo que os ramalhos vibraram contra uma pala sebenta. As rótulas nuas dos joelhos eram grossas e tinham sido apanhadas e arranhadas por espinhos. Debruçou-se, tirou cuidadosamente os espinhos e voltou-se. Era mais baixo que o garoto louro e muito gordo. Adiantou-se, buscando piso seguro para os pés, e olhou então através dos óculos de lentes grossas.
1ª Página do livro, O Deus das Moscas, de William Golding, Vega, 1º edição, 1997.
Nota: William Golding (1911-1993), romancista inglês, Prémio Nobel em 1983, nasceu na Cornualha e cursou a Universidade de Oxford, dedicando-se ao estudo da Literatura inglesa. Professor, abandonou a profissão durante a II Grande Guerra, tendo servido na Royal Navy.Depois da Guerra, Golding deu-se à escrita.0 seu primeiro romance, em 1954, O Deus das Moscas (filme de Peter Brook em 1963), foi um sucesso, tendo a crítica internacional considerado a obra como uma das maiores do século XX. Depois deste seu primeiro título (traduzido em todo o mundo culto), Golding escreveu ainda Os Herdeiros (1955), Pincher Martin (1956), Borboleta de Latão (1958) e Queda Livre (1959).Outras obras: Rites of Passage (1980), Close Quarters (1987) e Fire Down Below (1989). Estes romances constituem uma trilogia galardoada com o Booker Prize. Assunto da trilogia: dilemas morais e reacções humanas em situações limite. O mar e a navegação são presenças constantes na sua escrita.Escreveu também vários ensaios - e o seu último romance, The Double Tongue, foi publicado postumamente em 1995. Em 88, foi elevado ao grau de Cavaleiro, juntando ao seu nome o título de Sir. (Vega).