A Fábrica

Novembro 29 2006
Portugal é tão profícuo a produzir teses, antíteses, estudos e projectos como a produzir analfabetos. São analfabetos funcionais que sabendo ler e escrever (mal), o seu gosto pela leitura pouco vai além de palavras derivadas de bola golo e baliza, de preferência com menos de três sílabas para não cansar a vista e não forçar os neurónios a um esforço excessivo.
Menos mal que a Nova Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário (TLEBS) com a sua “abstrusa” nomenclatura vai facilitar a gíria desportiva e evitar que o Gabriel Alves continue a sua teimosa invenção de palavras sobrecarregadas com advérbios disjuntos restritivos da verdade da asserção e frases complexas copulativas assindéticas e nos vais ajudar a entender melhor as transcendentes maquinações táctico-estratégicas do futebol.
Não deixa de ser pertinente a correlação directa entre a produção intelectual e a proliferação de analfabetos, de tal modo, que a continuar assim, os intelectuais, por razões de mercado, (entenda-se), vão virar-se definitivamente para o desporto rei.
Para animar as hostes, agora que no futebol as coisas estão mais calmas, surgiu a famosa gramática que tem a particularidade de ter gerado amplos consensos em seu redor.
Independentemente do mérito do trabalho dos autores da TLEBS, parece que teria sido mais prudente e avisado terem ampliado e promovido o debate, formulando dados e hipóteses em vez de terem antecipado soluções. Estas deveriam ter surgido como efeito de uma prática efectiva e de uma elaboração em trabalho participado com os vários intervenientes no processo educativo, criando assim as melhores condições para a produção de um manual com a qualidade que lhe é exigível, compreendido e aceite por todos.
Em vez disso, atiram da sua cátedra receitas para os “putos” consumirem e os professores que se desenrasquem.
Não me parece que seja a melhor forma de se incutir o gosto pela língua nem pela leitura mas antes um caminho chato e doloroso que me faz recordar a forma como, no meu tempo, iniciávamos tortuosamente a descoberta dos Lusíadas e só muito depois, após inúmeras sessões de psicoterapia, foi possível descobrir o seu verdadeiro valor.
Mas deixemo-nos de fait-divers e voltando ao assunto que interessa de momento (o futebol obviamente), que fique registado que quando o Gabriel Alves se referir ao árbitro da partida está simplesmente a designar um nome, Comum, Humano, Animado, Concreto, Contável, Não Massivo, Singular, Masculino e Género Natural e se algum adepto num excesso de linguagem lhe chamar Camelo saiba que apenas esta a mudar uma das designações atrás referidas, e meus senhores! Se for Gay pode muito bem ser um Epiceno! É melhor saber primeiro se é homem ou mulher, porque epiceno é na verdade um nome muito feio e pode induzir uma falsa ideia de discriminação.
Como eu acredito que os autores da nova TLEBS não têm nada contra os alunos, nem contra os professores nem contra o futebol e muito menos contra o Gabriel Alves terei que concluir, por exclusão de partes, que eles apenas não gostam da língua portuguesa.
Vá-se lá saber porquê!
Jorge Gaspar.
publicado por Armando S. Sousa às 11:00

Novembro 29 2006
Comentário de uma leitora atenta:

Obrigada por ter "destapado o umbigo da nossa humilhação".
Algumas apanham e calam-se impotentes, outras ouvem e fecham-se numa concha humilhadas, as restantes, ouvem, sabem, vêm, e acham terrivel, mas também não fazem nada...Eles sabem, ouvem, vêm, alguns até acometem também e todos juntos achamos repugnante mas está toda a gente demasiado ocupada, ou tem demasiado bom senso, e fica impavida e serena à espera que alguem faça.
Se sempre que alguem ouvisse, visse, tivesse conhecimento de casos de violência doméstica, de qualquer genero, metesse o "bedelho", e apresentasse queixa na entidade competente mais próxima, poria fim à grande maioria dos casos...Os que os cometem (este crime público) teriam medo de ser ouvidos, vistos, ou falados....Vale a sua intenção e de muito poucos como o Sr.
Mais uma vez obrigada!
XP.

Na realidade a violência doméstica, é em Portugal um crime público o que significa que não é necessário que seja a vítima a apresentar a queixa pessoalmente. Pode ser denunciada por terceiros e não exige queixa das partes envolvidas.
A violência doméstica é punível com pena de prisão de um a cinco anos quando se trata de maus tratos entre cônjuges ou entre quem conviver em condições idênticas às dos cônjuges.
Para apresentar uma queixa, as vítimas devem dirigir-se ao posto mais próximo da GNR, da PSP, da Polícia Judiciária ou aos serviços do Ministério Público do Tribunal da Comarca da área da sua residência.
Por último mas não menos importante, resta-me acrescentar que, não pactuar com essa escumalha é um dever cívico.
publicado por Armando S. Sousa às 09:20

Novembro 28 2006

Em média, uma mulher em cada três sofre de violência na sua vida, desde espancamentos a relações sexuais impostas ou outras formas de maus-tratos, segundo um relatório do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, divulgado em Outubro.
Em Portugal, a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) assinala o dia com a divulgação de um estudo encarado como uma forma de "denunciar e alertar as autoridades e a sociedade para uma situação preocupante em Portugal", nas palavras de Elisabete Rodriques.
Entre Novembro de 2005 e o mesmo mês deste ano morreram em Portugal 37 mulheres vítimas de violência doméstica, revela o estudo apresentado sexta-feira pela UMAR.
Por sua vez, o Movimento democrático de Mulheres (MDM) associa- se a este Dia Internacional lançando um conjunto de iniciativas dirigidas "a públicos-alvo diferentes", com o intuito comum de aumentar a visibilidade desta temática que "tão gravemente" atinge as mulheres.Entre estas iniciativas, destaca-se a participação na jornada de luta da CGTP-IN, hoje, com palavras de ordem e exigências relativamente às violências sobre as mulheres.
Noutra iniciativa, o MDM enviou esta semana uma Carta Aberta aos órgãos de poder, sobre o combate à violência doméstica, lembrando medidas de "discriminação positiva" de apoio às vítimas, que constam do Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2003/06).
O Dia Internacional para a eliminação da violência doméstica (25 de Novembro), é uma iniciativa da ONU e do Conselho da Europa e serve para debater e da visibilidade às vítimas da violência, quer através de espancamento, violência conjugal, crimes de honra ou casamentos forçados.Na Austrália, no Canadá, em Israel, na África do Sul e nos Estados Unidos, entre 40 a 70 por cento das mulheres assassinadas são-no pelo seu marido ou companheiro.
Em França, cada três dias, uma mulher é morta pelo seu companheiro, segundo o governo francês. No Brasil, uma mulher é espancada em cada 15 segundos, ou seja, 2,1 milhões por ano, segundo a organização não governamental Agenda.
Em África, a violência contra as mulheres passa pelas mutilações genitais, sofridas por 130 milhões de raparigas no mundo, segundo a ONU, mas também por um número recorde de mulheres infectadas pelo vírus da sida por não utilização do preservativo.Na Guiné-Bissau, a violência doméstica, sobretudo contra mulheres e crianças, tem sofrido nos últimos anos um "aumento alarmante".
Francisca Pereira, presidente da Rede Nacional contra a Violência do Género e da Criança, indicou que, em 2005, as autoridades competentes do país registaram "pelo menos 427 casos".No Sudeste Asiático, crimes de honra e discriminações são o dia a dia de muitas mulheres. No Afeganistão, os suicídios por imolação de jovens adolescentes obrigadas a casamentos forçados estão a aumentar, estima a ONG alemã Medica Mondiale.
Os casamentos forçados representam, naquele país, entre 60 a 80 por cento das uniões, segundo a comissão independente de defesa dos direitos humanos afegã.Neste contexto, a ONU congratulou-se quarta-feira de ver que 60 Estados em todo o mundo tinham adoptado leis contra a violência conjugal e familiar.
A UNIFEM (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para as Mulheres, com sede em Nova Iorque, deverá gastar este ano 3,5 milhões de dólares, mais do dobro do ano passado, para lutar contra a violência contra mulheres.Estes fundos serão distribuídos nomeadamente a advogados nos Camarões que elaboram um código de família, a mulheres na Bulgária que trabalham numa lei contra a violência doméstica, a uma associação na Costa do Marfim que insiste na relação entre a violência contra as mulheres e a sida e quer facilitar o acesso à ajuda jurídica e médica.
Na Europa, a luta assume formas diversas. A Espanha distingue-se por ter reagido ao problema com uma legislação "global", que traz respostas em termos de repressão, prevenção, acompanhamento das vítimas e dos autores da violência.Este país, juntamente com a Suécia, converteu o carácter repetido da violência conjugal em "infracção penal", que leva à aplicação de uma pena suplementar. Em França, o código penal pune "as violências habituais" mas unicamente para os menores de 15 anos ou as pessoas particularmente vulneráveis.Público.
publicado por Armando S. Sousa às 15:57

Novembro 27 2006
Mário Cesariny de Vasconcelos, poeta e pintor que morreu domingo em Lisboa, aos 83 anos, foi o principal representante do Surrealismo português, um homem irónico e controverso que dispensava aplausos e homenagens.
Nascido em Lisboa a 9 de Agosto de 1923, de pai beirão, negociante de jóias, e mãe castelhana, professora de francês, resolveu, a partir de certa altura, prescindir do apelido paterno e ultimamente gostava de acrescentar a Cesariny o Rossi dos seus antepassados.
Estudou no Liceu Gil Vicente, frequentou o primeiro ano de Arquitectura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL) e mudou depois para a Escola de Artes Decorativas António Arroio, tendo igualmente estudado música com o compositor Fernando Lopes Graça.
Durante o período em que viveu em Paris, em 1947, frequentou a Academia de La Grande Chaumire.
Na capital francesa, conheceu o fundador do movimento surrealista francês André Breton, cuja influência o levou a integrar no mesmo ano, embora à distância, o Grupo Surrealista de Lisboa, formado por António Pedro, José-Augusto França, Cândido Costa Pinto, Marcelino Vespeira, João Moniz Pereira e Alexandre O'Neill.
Este grupo surgiu com o objectivo de protestar contra o regime político vigente em Portugal e contra o neo-realismo, mas houve cisões e Cesariny saiu, fundando mais tarde o "anti-grupo" "Os Surrealistas", com Henrique Risques Pereira, António Maria Lisboa, Fernando José Francisco, Carlos Eurico da Costa, Mário -Henrique Leiria, Artur do Cruzeiro Seixas e Pedro Oom, entre outros.
Em 1949, redigiu, com o grupo, o seu manifesto colectivo, "A Afixação Proibida" e promoveu as sessões "O Surrealismo e o seu Público em 1949" e a I Exposição dos Surrealistas.
Quando terminaram as experiências colectivas do que foi quase "um movimento (mais ou menos) organizado" - 1947/1953 e 1958/1963 - Cesariny prosseguiu sozinho, como fariam alguns dos seus outros companheiros que sobreviveram à aventura surrealista, com uma actividade inesgotável e orientada em várias direcções.
Nas suas obras, adoptava uma atitude estética caracterizada pela constante experimentação e praticou uma técnica de escrita e de pintura muito divulgada entre os surrealistas, designada como "cadáver esquisito", que consistia na elaboração de uma obra por três ou quatro pessoas, num processo em cadeia criativa, em que cada um dava seguimento, em tempo real, à criatividade do anterior, conhecendo apenas uma parte do que aquele fizera. Primeiro, dedicou-se à pintura de forma ocasional e, a partir de certa altura, de uma forma quase exclusiva, tendo deixando de lado algumas facetas do seu talento: primeiro, deixou de tocar piano (ao que parece, tocava muito bem), depois, foi a vez da escrita - "secou", dizia. Quando lhe perguntaram uma vez se não sentia necessidade de escrever, respondeu: "Nenhuma. Para quê? A quem?".
"A poesia foi um fogo muito grande que ardeu. Depois ficaram as cinzas. Não sou capaz de fazer versos porque sim. Acabou", declarou, no documentário "Autografia" (nome de um poema seu), realizado por Miguel Gonçalves Mendes em 2004, o único feito sobre a sua vida e obra. "Sou um poeta bastante sofrível, um grande poeta numa época em que o tecto está muito baixo", "sem Anteros, Pessanhas ou Pessoas", e em que "o surrealismo foi transformado em museu", afirmou.
Da sua extensa obra literária, destaca-se o seu trabalho de antologista, compilador e historiador (polémico) das actividades surrealistas em Portugal, sendo também a sua obra poética considerada um dos mais ricos e complexos contributos para a história da poesia portuguesa contemporânea.
Uma poesia primeiro de intervenção contra as poéticas dominantes, no Portugal da década de 40, através da paródia e do pastiche sarcásticos, uma poesia da tentativa fracassada de reabilitação da realidade quotidiana e depois, sobretudo, uma poesia do amor louco, desejado, vivido ou mal vivido, abandonado ou traído, cantado ou recordado e reinventado de forma elegíaca. Para Cesariny, homossexual assumido, o amor era "um desmesurado desejo de amizade", em que "o outro é um espelho sem o qual não nos vemos, não existimos", e "a única coisa que há para acreditar". "É o único contacto que temos com o sagrado. As igrejas apanharam o sagrado e fizeram dele uma coisa muito triste, quando não cruel. O amor é o que nos resta do sagrado", defendia. O poeta defendia que se pode morrer de amor - foi, na sua opinião, o que aconteceu a outro surrealista, Ernesto Sampaio, pouco tempo depois da morte da mulher, a actriz Fernanda Alves. Mas considerava que "também se pode morrer de falta de amor".
Da sua obra, fazem parte títulos como "Corpo Visível" (1950), "Manual de Prestidigitação" (1956), "Pena Capital", "Nobilíssima Visão" (1959), "Antologia Surrealista do Cadáver Esquisito" (1961), "A Cidade Queimada" (com arranjo gráfico e ilustrações de Cruzeiro Seixas, (1965), "Burlescas, Teóricas e Sentimentais" (1972), "Primavera Autónoma das Estradas" (1980), "O Virgem Negra. Fernando Pessoa Explicado às Criancinhas Nacionais & Estrangeiras por M.C.V." (1989) e "Titânia" (1994). Sobre as sessões para que o convidavam e em que o aplaudiam, o poeta comentava: "Estou num pedestal muito alto, batem palmas e depois deixam-me ir sozinho para casa. Isto é a glória literária à portuguesa".
Em 2005, recebeu as duas únicas distinções da sua carreira: o Grande Prémio Vida Literária APE/CGD, pelo conjunto da sua obra, e a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, que lhe foi entregue pelo então Presidente da República Jorge Sampaio.
Nos últimos anos de vida, desenvolveu uma frenética actividade de transformação e reabilitação ou "redenção" do real quotidiano, da qual nasceram muitas colagens com pinturas, objectos, instalações e outras fantasias materiais.
"Gostava de ter daquelas mortes boas, em que uma pessoa se deita para dormir e nunca mais acorda", afirmou em "Autografia".
Agência LUSA.
publicado por Armando S. Sousa às 11:09
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Novembro 26 2006
O filósofo da actualidade que mais admiro é o espanhol Fernando Savater. Os seus pensamentos e a sua filosofia exercem uma grande influência na minha maneira de estar na vida e de orientação nas discussões das grandes questões da actualidade. Cada livro dele, é uma torrente de pensamentos em direcção à liberdade, à humanidade, à educação cívica, de forma a reinventar a nossa consciência para nos tornar mais actuantes na esfera pública. Neste texto, venho falar de uma pequena parte do livro “A Coragem de Escolher”, especificamente, a parte que fala da educação cívica.
É uma constatação que teremos de fazer alguma coisa, para parar a injustiça, a violência, a intolerância, o fanatismo e a desumanidade que grassam pelo mundo, sem no entanto, destruir as instituições democráticas (que tantos séculos demoraram a conquistar).Neste contexto de descrédito do regime democrático, Fernando Savater elege a educação,(não a instrução básica apesar que sem estes conhecimentos fundamentais é impossível uma verdadeira formação humana plena),dizia, elege a educação cívica, como pilar de preparação para o exercício da cidadania, de forma a ser actuante na sociedade. Segundo Fernando Savater, os maiores perigos para as sociedades democráticas actuais, são a mortal e crescente, influência do populismo e da ignorância.
“ O autêntico problema da democracia não consiste no habitual enfrentamento entre uma maioria silenciosa e uma minoria reivindicativa ou loquaz, mas no predomínio geral da maré da ignorância”, são os cidadãos ignorantes, todos com direito a voto, que sustentam os demagogos e os populistas que prometem “ paraísos gratuitos ou a vingança brutal das suas frustrações à custa de qualquer bode expiatório”.
Por isso, a educação cívica, “tanto pela sua reflexão sobre a prática social e pelos valores que a orientam” tornam o cidadão competente para a “comunicação argumentada”. Fernando Savater, denomina educação cívica, como sendo: a preparação que faculta viver politicamente com os outros na cidade democrática, participando na gestão paritária dos assuntos públicos e com capacidade para distinguir entre o justo e injusto. Esta educação cívica irá facultar ao cidadão, um grande número de capacidades: para expressar exigências sociais inteligíveis à comunidade ou para compreender as formuladas por outros, para argumentar ou calibrar os argumentos alheios (orais ou escritos), maximizar o sentido dos direitos e deveres que pressupõe, e impõe, a vida em sociedade para lá da adesão patológica e retrógrada, da nacionalidade, partido, corporação ou lóbi. A educação cívica levar-nos-á a adquirir o sentido da equidade e responsabilidade, que nos fará respeitar as leis e a praticar os valores partilhados, segundo a máxima aristotélica de que, “ninguém pode chegar a governar sem ter sido antes governado”. Pretende-se com esta educação a optimização dos cidadãos, para o exercício da cidadania, inculcando neles a condição de governantes e governados, isto é, uma educação inter pares, “desfrutando uma condição que confere a todos capacidades de comando e a ninguém privilégios”.Usando a máxima de Albert Camus quando avisou que em “política são os meios que justificam os fins”, a democracia só ganhará uma grande dimensão, se for servida por este tipo de cidadãos. A educação cívica será o veículo de transmissão de meios intelectuais ao cidadão, de forma a que ele exerça o direito de deliberação. Preparar para a deliberação, consiste na formação de caracteres humanos capazes de persuadir e dispostos a ser persuadidos, condição indispensável para erradicar a violência civil, de sentir e apreciar a força das razões e recusar as razões da força. A democracia implica assumir que vivemos no deliberado, não no fatalmente imposto,”daí que nenhuma pertença possa servir de desculpa para privar alguém -seja qual for o sexo, origem, raça ou condição social - da educação cívica que lhe permitirá participar na gestão do comum”, devemos portanto, ser intolerantes, para quem faz sabotagem da cultura democrática e humanista. “Num estado democrático existe o direito à diferença mas não diferenças de direitos”, logo, o direito à diferença de uns, não pode ser convertido em dever para todos os outros. Devemos respeitar a pluralidade, sem esquecer a insubstituível defesa dos princípios fundamentais da democracia.
A educação cívica educa também, para prevenir tanto o fanatismo como o relativismo. “Relativamente ao fanatismo, digamos que de modo algum se trata de uma forma de firmeza nas convicções, mas, muito pelo contrário, de pânico perante o possível contágio com o diferente. O fanático é aquele que não suporta viver com os que pensam e agem de uma maneira diferente, com medo de descobrir que já não acredita nas suas crenças. Nietzsche definiu fanatismo, como sendo a única força de vontade de que são capazes os fracos. Quanto ao relativismo, parte de um pressuposto falsamente tolerante, de que todas as culturas são dignas de igual apreço. É certo que não há culturas superiores a outras, se por isso se entende que não têm nada a aprender com as outras, mas não é verdade que são todas igualmente compatíveis com os valores, princípios democráticos e fundamentalmente, com a declaração dos direitos humanos, que não pode ser abolida ou relativizada porque contrasta com certos costumes de grupos particulares dentro da sociedade. Apenas a educação cívica dá a capacidade aos cidadãos de escolher, excluir ou preferir, aquilo que exalta a humanidade.
Por fim, deve-se dizer em abonamento de Fernando Savater, que ele não é apenas um filósofo, no sentido de apenas transmitir os seus pensamentos, mas um homem inteiramente comprometido com a sua filosofia e com a sociedade civil espanhola. Fernando Savater é fundador e porta-voz da plataforma cívica espanhola “Basta, Ya”, que reivindica o fim das acções terroristas por parte da organização terrorista basca. Este empenho da sua parte, fez com que ele fosse ameaçado de morte pela ETA, e por isso, desde de à vários anos é acompanhado, no seu dia a dia, pela incómoda escolta policial, “amable tutela, mi encantaria verme libre pronto”. Fernando Savater, talvez seja o exemplo a seguir, no exercício da cidadania.

Armando S. Sousa.
publicado por Armando S. Sousa às 11:31

Novembro 25 2006

Revejo em muitas notícias publicadas hoje na imprensa o ar de comadre alcoviteira da vizinha do lado, sempre pronta a trazer-nos em primeira mão as graças e as desgraças que assolam o mundo, entre meias palavras, piscadelas de olho e gestos exacerbados que nos acossam a alma e, quando se afasta para levar a boa nova a outras paragens, ficamos sem saber, afinal, o que nos quis dizer.
Uma dessas notícias aparece na primeira página do Correio da Manhã de segunda-feira sob o título “Portugal Campeão da Função Pública”.
No seu interior surgem números avançados pelo Eurostat, dispostos em pequenos rectângulos, onde se destaca a posição de Portugal no ranking europeu a partir da percentagem de Funcionários Públicos por população activa.
Tendo em conta o tratamento que foi dado à notícia, esta era merecedora de uma nota de rodapé, mas por estranhas razões editoriais foi de tal modo relevada que preenche completamente 2 páginas inteiras do jornal e destacada com letras garrafais, na primeira página.
Este tipo de notícias transporta-me ao passado e faz-me recordar longas tardes de verão passadas em Poiares da Régua, na casa da minha avó materna, e da casinha de madeira pintada de amarelo no meio da quinta, onde me libertava dos excessos da gulodice, dos gases e dos frutos depenicados, em total abandono do corpo e do espírito. Os Irmãos Metralha, o Professor Pardal, o Gastão, a Margarida, o Pato Donald, e muitas outras criaturas povoavam a casinha e faziam parte do meu imaginário.
Na casinha estavam folhas de jornal recortadas em pequenos rectângulos e pregados na parede, e não raras vezes, na ausência dos meus heróis, passeava os olhos por aquelas folhas antes de lhe dar o destino final e de calças no fundo das pernas, tomava contacto com o mundo fora da casinha, da quinta e da aldeia. Coisas estranhas que se passavam em lugares distantes e que eram trazidas por uma espécie de detectives, para serem recortadas e pregadas em alguma parede de uma qualquer casinha amarela.
Naquele tempo todas as noticias tinham verdadeira utilidade, mas como os hábitos e costumes já não são o que eram, convém que as noticias cumpram o seu papel que é informar, não como fazia a comadre alcoviteira mas antes com isenção, rigor, sentido cívico, para formar públicos, incentivar o espírito crítico e munir os leitores com instrumentos de análise que lhes permitam discutir com propriedade os assuntos que lhes interessam.
O Jornal poderia, por exemplo, recorrendo-se da mesma fonte (Eurostat), informar que a despesa total do Estado em 2005 foi equivalente à média europeia e foi suplantado mesmo por países como a Bélgica e a Dinamarca e, não consta que aqueles países tenham problemas de défice ou de equilíbrio das contas publicas.
Também poderia ter dito que a maioria dos países recorre a outsourcing e à privatização dos serviços públicos e deste modo a despesa com privados não aparece na rubrica “despesas com pessoal”, pelo que fazer comparações sem qualquer tipo de tratamento é falacioso.
Também poderia fazer comparações com o nível das remunerações dos outros países e poderiam ter dito que o estudo comparativo que o governo encomendou sobre a remuneração entre o privado e o público, demonstrou que este último ganha substancialmente menos e por isso não se sabe onde pára o dito estudo.
Poderia ter dito muito mais, mas o que está a dar é “bater” na Função Pública e o êxito de um jornal mede-se pelo número de jornais vendidos e nesta matéria o Correio da Manhã é o verdadeiro campeão (o diário mais vendido em Portugal).
Contudo, é sempre agradável fazermos uma viagem à nossa infância e trocar umas impressões com Donald Fauntleroy Duck, sobre a Função Pública em Portugal, enquanto a Margarida nos prepara um delicioso hambúrguer com batatas fritas.
Jorge Gaspar.
publicado por Armando S. Sousa às 11:35

Novembro 24 2006

"Que el diccionario detenga las balas"
Joaquín Sabina.

Sou intrinsecamente contra o "lápis azul" da censura, no entanto, não terei pejo em censurar comentários que visem, apenas e particularmente, os autores dos textos.
Respeito e muito a liberdade de expressão, mas há limites para a liberdade de expressão, especialmente quando o exercício dessa liberdade, é feito no sentido de denegrir publicamente, um dos autores dos textos deste blogue.
Fundamentalmente é necessário não confundir liberdade com libertinagem, um detalhe, deveras importante, que faz toda a diferença e que ao não ser respeitado, mete uma parte dos comentadores a tentar atravessar a linha divisória do Rubicão.
Minhas senhoras e meus senhores, este blogue, não é um lavadouro público e muito menos, porque eu não permito, o local para lavar roupa suja.
Se, os visitantes deste blogue, continuarem a abordar os textos com comentários desviados do assunto em questão, porei termo à possibilidade de comentar.
Cumprimentos.
Armando S. Sousa.


publicado por Armando S. Sousa às 06:08

Novembro 23 2006

Os portugueses sabem “que o sonho comanda a vida". A esmagadora maioria dos portugueses conhecem esse hino à liberdade, que é a canção “Pedra Filosofal”, cantada pela primeira vez por Manuel Freire, em 1969. O que a maioria dos portugueses não sabem é que este fenomenal poema…

Eles não sabem que o sonho

é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso em
serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida

entre as mãos de uma criança.

…é um poema, escrito por António Gedeão, alter ego de Rómulo de Carvalho, publicado em 1956. Rómulo de Carvalho professor de física, divulgador científico, pedagogo e autor de manuais escolares, historiador da ciência e da educação e poeta, faria amanhã cem anos se fosse vivo.
Rómulo Vasco da Gama de Carvalho nasceu em Lisboa a 24 de Novembro de 1906. Aí cresceu, numa casa modesta, no seio de um ambiente familiar tranquilo, profundamente marcado pela figura materna, cuja influência foi decisiva para a sua vida.
Na verdade, a sua mãe, apesar de contar somente com a instrução primária, tinha como grande paixão a literatura, sentimento que transmitiu ao filho Rómulo, assim baptizado em honra do protagonista de um drama lido num folhetim de jornal. Responsável por uma certa atmosfera literária que se vivia em sua casa,
é ela que, através dos livros comprados em fascículos, vendidos semanalmente pelas casas, ou, mais tarde, requisitados nas livrarias Portugália ou Morais, inicia o filho na arte das palavras. Desta forma Rómulo toma contacto com os mestres - Camões, Eça, Camilo e Cesário Verde, o preferido - e conhece As Mil e Uma Noites, obra que viria a considerar uma da suas bíblias.
Criança precoce, aos 5 anos escreve os primeiros poemas e aos 10 decide completar "Os Lusíadas" de Camões. No entanto, a par desta inclinação flagrante para as letras, quando, ao entrar para o liceu Gil Vicente, toma pela primeira vez contacto com as ciências, desperta nele um novo interesse, que se vai
intensificando com o passar dos anos e se torna predominante no seu último ano de liceu.
Este factor será decisivo para a escolha do caminho a tomar no ano seguinte, aquando da entrada na Universidade, pois, embora a literatura o tenha acompanhado durante toda a sua vida, não se mostrava a melhor escolha para quem, além de procurar estabilidade, era extremamente pragmático e se sentia atraído
pelas ciências justamente pelo seu lado experimental. Desta forma, a escolha da área das ciências, apesar de não ter sido fácil, dá-se. Em 1932, um ano depois de se ter licenciado, forma-se em ciências pedagógicas na faculdade de letras do Porto, prenunciando assim qual será a sua actividade principal daí para a frente e durante 40 anos - professor e pedagogo. Começando por estagiar no liceu Pedro Nunes e ensinar durante 14 anos no liceu Camões, Rómulo de Carvalho é, depois, convidado a ir leccionar para o liceu D. João III, em Coimbra, permanecendo aí até, passados oito anos, regressar a Lisboa, convidado para professor metodólogo do grupo de Físico-Químicas do liceu Pedro Nunes.
Exigente, comunicador por excelência, para Rómulo de Carvalho ensinar era uma paixão. Tal como afirmava sem hesitar, ser Professor tem de ser uma paixão - pode ser uma paixão fria mas tem de ser uma paixão. Uma dedicação. E assim, além da colaboração como co-director da "Gazeta de Física" a partir de 1946, concentra, durante muitos anos, os seus esforços no ensino, dedicando-se, inclusivé, à elaboração de compêndios escolares, inovadores pelo grafismo e forma de abordar matérias tão complexas como a física e a química. Dedicação estendida, a partir de 1952, à difusão científica a um nível mais amplo através
da colecção Ciência Para Gente Nova e muitos outros títulos, entre os quais Física para o Povo, cujas edições acompanham os leigos interessados pela ciência até meados da década de 1970. A divulgação científica surge como puro prazer - agrada-lhe comunicar, por escrito e com um carácter mais amplo, aquilo que, enquanto professor, comunicava pela palavra.
A dedicação à ciência e à sua divulgação e história não fica por aqui, sendo uma constante durante toda a sua a vida. De facto, Rómulo de Carvalho não parou de trabalhar até ao fim dos seus dias, deixando, inclusive trabalhos concluídos, mas por publicar, que por certo vêm engrandecer, ainda mais, a sua extensa obra científica.
Apesar da intensa actividade científica, Rómulo de Carvalho não esquece a arte das palavras e continua, sempre, a escrever poesia. Porém, não a considerando de qualidade e pensando que nunca será útil a ninguém, nunca tenta publicá-la, preferindo destrui-la.
Só em 1956, após ter participado num concurso de poesia de que tomou conhecimento no jornal, publica, aos 50 anos, o primeiro livro de poemas Movimento Perpétuo. No entanto, o livro surge como tendo sido escrito por outro, António Gedeão, e o professor de física e química, Rómulo de Carvalho, permanece no anonimato a que se votou. O livro é bem recebido pela crítica e António Gedeão continua a publicar poesia, aventurando-se, anos mais tarde, no teatro e, depois, no ensaio e na ficção.
Nos seus poemas dá-se uma simbiose perfeita entre a ciência e a poesia, a vida e o sonho, a lucidez e a esperança. Aí reside a sua originalidade, difícil de catalogar, originada por uma vida em que sempre coexistiram dois interesses totalmente distintos, mas que, para Rómulo de Carvalho e para o seu "amigo" Gedeão, provinham da mesma fonte e completavam-se mutuamente.
A poesia de Gedeão é, realmente, comunicativa e marca toda uma geração que, reprimida por um regime ditatorial e atormentada por uma guerra, cujo fim não se adivinhava, se sentia profundamente tocada pelos valores expressos pelo poeta e assim se atrevia a acreditar que, através do sonho, era possível encontrar o caminho para a liberdade.
O professor Rómulo de Carvalho, entretanto, após 40 anos de ensino, em 1974, motivado em parte pela desorganização e falta de autoridade que depois do 25 de Abril tomou conta do ensino em Portugal decide reformar-se. Exigente e rigoroso, não se conforma com a situação. Nessa altura é convidado para leccionar na Universidade mas declina o convite.
Incapaz de ficar parado, nos anos seguintes dedica-se por inteiro à investigação publicando numerosos livros, tanto de divulgação científica, como de história da ciência. Gedeão também continua a sonhar, mas o fim aproxima-se e o desejo da morrer determina, em 1984, a publicação de Poemas Póstumos.
Em 1990, já com 83 anos, Rómulo de Carvalho assume a direcção do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa, sete anos depois de se ter tornado sócio correspondente da Academia de Ciências, função que desempenhará até ao fim dos seus dias.
Na data do seu nonagésimo aniversário, António Gedeão foi alvo de uma homenagem nacional, tendo sido condecorado, a 17 de Dezembro de 1996, com a Grã Cruz da Ordem de Mérito de Santiago da Espada. A 18 de Dezembro de 1996, foi-lhe atribuída, pelo Ministro da Cultura, a Medalha de Mérito Cultural, na Fundação Calouste Gulbenkian. Durante esta homenagem nacional, o dia 24 de Novembro foi instituido pelo ministro da Ciência, Mariano Gago para Dia Nacional da Cultura Cientifica, por ser o dia do nascimento desta personagem singular do século 20 português. A 19 de Fevereiro de 1997 a morte chega para Rómulo de Carvalho.
Várias Fontes.
publicado por Armando S. Sousa às 18:00
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Novembro 22 2006

Cerca de metade dos países em todo o mundo têm regimes que podem ser classificados de democráticos, mas em apenas 28 existe uma democracia plena, numa lista em que Portugal ocupa a 19ª posição, revela hoje a publicação «O Mundo em 2007», do The Economist.
Os autores do relatório, do «Economist Intelligence Unit», afirmam que 54 regimes constituem «democracias imperfeitas», o que – consideram - é melhor que a ausência total de democracia. Entre os 85 restantes Estados, 30 são considerados «regimes híbridos», enquanto 55 são «autoritários».
O grupo das «democracias plenas» está dominado pelos países desenvolvidos, com a «notável excepção» de Itália, mas inclui duas nações latino-americanas (Costa Rica e Uruguai) e uma africana: ilhas Maurícias.
A lista é liderada pelos países escandinavos ou do norte da Europa: Suécia (com 9,88 pontos), Islândia, Holanda, Noruega, Dinamarca e Finlândia, seguidos pelo Luxemburgo, Austrália, Canadá, Suíça e Irlanda, todos eles com pontuações superiores a 9, numa escala de 0 a 10.
Malta vem em 15º lugar, seguido por Espanha e Estados Unidos, enquanto Portugal está na 19ª posição. O Japão e a Bélgica partilham o 20º lugar, enquanto a França vem em 24º, seguida pela Costa Rica, ilhas Maurícias, Eslovénia e Uruguai, empatados no 27º lugar.
Os autores do estudo classificam de surpreendente a «modesta posição» ocupada pelos dois países considerados tradicionalmente bastiões da democracia: os Estados Unidos (8,22 pontos) e Reino Unidos, que está em 23º com 8,08 pontos.
Explicam que nos Estados Unidos houve uma «grande erosão das liberdades civis» no contexto da guerra contra o terrorismo, tendo ocorrido algo semelhante no Reino Unido, onde se regista «uma forte redução da participação política». Quanto a este último aspecto, o Reino Unido ocupa o pior lugar entre os países ocidentais, como se reflecte na sua baixa participação eleitoral, na fraca militância em partidos políticos, na pouca disposição em participar na política e na atitude geral para com a «coisa pública».
No grupo seguinte, o de «democracias imperfeitas», estão a África do Sul (29º), Chile (30º), Itália (34º), Índia (35º) e Botsuana (36º). Outros países latino-americanos e das Caraíbas neste grupo são o Brasil (42º), Panamá (44º), Jamaica (45º), Trinidad e Tobago (48º), México (53º), Argentina (54º), Colômbia (67º), Honduras (69º), El Salvador (70º), Paraguai (71º), Guiana (73º), República Dominicana (74º), Peru (75º), Guatemala (77º) e Bolívia (81º).
Novos membros da União Europeia e países dispostos a fazer parte do bloco também se encontram neste grupo, como a Eslováquia (41º), Polónia (46º), Bulgária (49º), Roménia (50º). Os regimes de Israel (47º), Filipinas (63º), Indonésia (65º) e Benin (71º) também são considerados «democracias imperfeitas».
Entre os países de regimes híbridos encontram-se a Turquia (88º), Nicarágua (89º), Equador (92º), Venezuela (93º), Rússia (102º), Haiti (109º), Iraque (112º) e vários países africanos:
Senegal, Gana, Moçambique, Zâmbia, Libéria, Uganda e Quénia, entre outros.
No grupo de regimes autoritários há apenas um país latino-americano, Cuba (124º), mas muitos islâmicos encaixam-se nesta definição, como o Paquistão (113º), Jordânia (113º), Marrocos e Egipto (115º), Argélia (132º), Irão (139º) e Arábia Saudita (159º). Outros como a China (138º), Guiné Equatorial (156º), Guiné e Guiné-Bissau também se enquadram nos regimes autoritários, segundo The Economist. DD.
publicado por Armando S. Sousa às 12:17

Novembro 20 2006

Um beco sem saída.
Daqueles em que ninguém se quer encontrar. Perante as vicissitudes que a vida nos coloca, por vezes somos confrontados com situações que parecem irreais e distantes, que nem sabemos como devemos ou mesmo se podemos reagir, porque parece não existir nada que possa abrir o caminho bloqueado por uma força desumana e intransponível.
Por inépcia ou incúria, um segundo é quanto basta para tudo se alterar. Nada é definitivo. Quantas vezes num filme, num livro, numa história que alguém conta ou a que se assiste com um distanciamento seguro, se conclui que seria impossível encontrar-se nesta ou naquela posição? Como quase sempre acontece, todos achamos que é inverosímil que um lapso de tempo insignificante possa condicionar toda uma existência e, por isso mesmo, vive-se deliberadamente na inconsciência consciente, porque não obriga à reflexão sobre os nossos actos, numa condição de permanente ilusão, que permite esquecer a responsabilidade, e atribuindo-se ás possíveis consequências, que podem revelar-se esmagadoras e irresolúveis, a mesma importância que ao obituário de um jornal.
Consideramos invariavelmente estar a salvo da ignomínia e do infortúnio. Quando o inesperado acontece, quase sempre reagimos a despropósito. Normalmente, esperamos que tudo se resolva e desapareça após uma noite de sono. Todo o nosso pensamento se centra no desejo de regresso à nossa normalidade, numa regressão no enredo com que a vida nos presenteou. A pergunta que incessantemente se insinua é: Porquê eu?
Um dia acordamos e logo a seguir dirigimo-nos para o emprego, uma vida patética sem grandes oscilações emocionais. À noite em busca de uma qualquer descarga de adrenalina que nos faça sentir vivos, nem que seja por cinco minutos, decidimos agarrar o único instrumento à nossa disposição naquele instante, que por acaso é um carro. Um desafio com um amigo. Perdidos na noite, embriagados por uma sensação tão poderosa, ignoramos qualquer aviso de que uma tragédia pode estar iminente. No meio de uma gargalhada eufórica, desviamos o olhar por um segundo em busca de partilhar uma emoção. Sem pensar, tudo são reflexos e comportamentos irracionais. Nada mais existe. Nesse preciso instante, uma família pára o seu carro. Sem lugar para estacionar, fica em segundo fila. Finalmente a casa nova que todos ambicionavam, os sonhos são tão grandiosos que ninguém pensa no perigo potencial. Mesmo assim, mandam as duas filhas para a relva brincar.
Um estranho sortilégio ganha forma. Começam a tirar as malas do carro. Um segundo, nem dá para se aperceberem do fim. Apenas sentem o esmagamento, a dor não tem tempo de chegar ao cérebro. Os olhos, como que por reflexo, viram-se na direcção das filhas.
As meninas brincavam distraidamente. Inicialmente, o ruído do carro a alta velocidade. A aproximação fê-las desviar o olhar em simultâneo, mesmo antes do embate. O que se seguiu foi apenas um segundo, mas aos olhos delas a cena prolongou-se. Cada ínfimo momento, cada pormenor do acontecimento foi visto individualmente, como se desenrolado em câmara lenta, com a cena a repetir-se vezes sem conta no seu cérebro. Cada ferida, cada pedaço de sangue, cada movimento desamparado, o último sopro.
No futuro e durante muitos anos, estas imagens inundarão os seus pesadelos. Estão irremediavelmente impregnadas nas suas células. As suas vidas serão terrivelmente condicionadas por um sofrimento impossível de se esquecer porque assistir a algo semelhante é como que se de repente toda a maldade da alma humana lhes fosse dada a conhecer em simultâneo.
Filipe Pinto.
publicado por Armando S. Sousa às 14:05

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