A Fábrica

Janeiro 26 2005

"Um dia, quando voltávamos do trabalho, vimos três forcas montadas no local da chamada, três corvos pretos. Chamada. Os SS à nossa volta, as metralhadoras assestadas- a cerimónia tradicional.Três condenados acorrentados - e, no meio deles, o pequeno pipel, o anjo de olhos tristes.
Os SS pareciam estar mais preocupados, mais inquietos do que era costume.Enforcar uma criança diante de milhares de espectadores não era coisa de pouca monta.O chefe do campo leu o veredicto.Todos os olhos se tinham fixado na criança.Estava lívido, quase calmo, mordendo os lábios.A sombra da forca cobria-o por completo.
O Lagerkapo, desta vez, recusou ser o carrasco. Três SS substituíram-no.
Os três condenados subiram ao mesmo tempo para cima das cadeiras.Os três pescoços foram introduzidos ao mesmo tempo nos nós corredios.
-Viva a liberade!-gritaram os dois adultos.
O pequeno, esse mantinha-se, calado.
-Onde está o Bom Deus, onde está Ele?- perguntou alguém atrás de mim.
A um sinal do chefe do campo, as três cadeiras oscilaram.
Silêncio absoluto no campo.No horizonte, o sol punha-se.
-Tirem os chapéus!- berrou o chefe do campo. A sua voz era rouca.Quanto a nós, nós chorávamos.
-Tapem a cabeça!
Depois começou o desfile.Os dois adultos já estavam mortos.As suas línguas pendiam, inchadas, azuladas.Mas a terceira corda não estava imóvel: tão leve, a criança ainda estava viva...
Assim ficou durante mais meia hora, a lutar entre a vida e a morte, agonizando aos nossos olhos.E mós tínhamos de o encarar bem de frente.Ainda estava vivo quando passei diante dele.A sua língua ainda estava vermalha, os seus olhos ainda não estavam sem vida.
Atrás de mim, ouvi o mesmo homem a perguntar:
-Onde é que Deus está, então?
E eu sentia dentro de mim uma voz que lhe respondia:
-Onde é que ele está? Ei-lo- está aqui pendurado nesta forca...
Naquela noite, a sopa sabia a cadáver."
Elie Wiesel, em "Noite"
publicado por Armando S. Sousa às 15:05

Janeiro 26 2005


Já esqueceram e perdoaram? Não. Eles não esquecem.

"Auschwitz.Sonho sempre com Auschwitz.Sonho que lá estou outra vez...Portanto, se um dia eu não acordar, foi porque morri em Auschwitz durante a noite.Nunca lá quis voltar, mas os meus sonhos levam-me para lá, queira ou não queira"
Serge Smulevic, 1997.

"Os sonhos...Ao princípio, durante anos, nunca sonhava.Mas agora tenho este sonho: os alemães querem encontrar-me, eu escondo-me no mar, no mar do mundo, até que eles partam.Isto nunca pára.Nunca, nunca.Às vezes preferia estar morta, eu também (chora).Não consigo ver-me livre disto."
Peria K.

"O tempo foge-me entre os dedos.Alguma vez fui dona da minha vida? Só me reconheço na intransigência, é a ela que me agarro:não ma roubem...Em Hofmansnsthal, Electra diz:Não sou um animal, não posso esquecer. A ideia de perdão faz-me vomitar.É isso que penso e é o que tenho a dizer"
Ruth Kluger

"Podemos perdoar?Mas quem somos nós para fazer o papel de Deus?Uma vez em Nuremberga um homem chega-se a mim e diz:Eu fui guarda num campo de concentração, pode perdoar-me?Não disse-lhe eu, não posso.Um rabi não t~em poder para absolver nem para perdoar"
Rabi Albert Friedlander

"Lembro-me da pequena Dagmar.Nasceu em Auschwitz em 1944, de mãe austríaca.Fui eu que a ajudei a vir ao mundo.Morreu depois de Mengele lhe ter dado injecções para tentar mudar-lhe a cor dos olhos.A pequena Dagmar tinha de ter olhos azuis!"
Ella Linges
in Pública
publicado por Armando S. Sousa às 15:02

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