Ignatius estava vestido com conforto e sensatez. O boné de caçador protegia-lhe as orelhas do frio. As volumosas calças de tweed eram duráveis e permitiam-lhe mover-se com uma invulgar facilidade. As suas pregas e ângulos continham bolsas de ar quente e viciado que confortava Ignatius. A camisa de flanela aos quadrados dispensava o uso de um casaco e o sobretudo protegia a pele exposta de Reilly entre as abas e o colarinho. O conjunto era aceitável à luz de quaisquer padrões teológicos e geométricos, ainda que abstruso, e sugeria uma vida interior rica.
Balançando as ancas à sua maneira arrastada e elefantina, Ignatius projectava ondas de carne que se agitavam debaixo do tweed e da flanela e iam rebentar nos botões e nas costuras. Entretanto, pensava que já estava há muito tempo à espera da mãe. Acima de tudo, pensava no desconforto que começava a sentir. Parecia que todo o seu ser estava prestes a rebentar pelas botas inchadas de camurça e, para comprová-lo, voltou os olhos singulares para os pés. De facto, parecia que tinha os pés inchados. Estava pronto a apontar à mãe aquelas botas inchadas como prova da sua negligência. Levantando a cabeça, reparou que o sol começava a descer sobre o Mississipi, ao fundo de Canal Street. O relógio Holmes indicava que eram quase cinco horas. Ignatius dava os últimos retoques numa série de acusações cuidadosamente preparadas para conduzir a mãe ao arrependimento ou, pelo menos, à confusão. Muitas vezes era obrigado a pô-la no seu lugar.
1ª Página do livro, Uma Conspiração de Estúpidos, de John Kennedy Toole, Terramar, 2ª edição Fevereiro de 1998.
Nota: Quando John Kennedy Toole, acabou de escrever este seu livro, submeteu o manuscrito à apreciação de uma das mais importantes editoras norte-americanas, que recusou editá-lo. Outras sete se seguiriam e todas se recusaram a fazer a edição do livro. Frustrado, por este insucesso, John Kennedy Toole, suicidou-se em 26 de Março de 1969, com a idade de 31 anos.
Em 1976, a mãe do autor, Thelma Toole, insistiu junto do escritor e académico, Walker Percy, para ter uma opinião do manuscrito que o filho tinha deixado completo. Contrariado, pela persistência da senhora, Percy não teve outra solução que ler o manuscrito, na esperança que ele fosse tão fraco, que ao fim de meia dúzia de páginas, em consciência, não fosse obrigado a ler mais. Era muito bom.
Com o patrocínio de Walker Percy, a Louisiana State University Press, fez em 1980 uma edição de 2500 exemplares. Esta edição, foi um acontecimento marcante no mundo literário norte-americano, o que levou Toole a receber postumamente, em 1981 o Prémio Pulitzer de Ficção. O livro já vendeu mais de um milhão e meio de cópias e está editado em dezoito línguas.